segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Manuel Bandeira


Arte de amar
(Manuel Bandeira)

Se queres sentir a felicidade de
amar, esquece a tua alma.
A alma é o que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar
satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo estender-se com
outro corpo.

Porque os corpos se entendem, mas
as almas não.


Ilustração: demetrioesculturas

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Doce invasão


Imaginei
todas as vilas e cidades,
próximas e distantes,
unidas,
esperando pela voz de alguém que,
escolhido pelo mistério,
revelasse o que de mais profundo
pode assaltar a alma do homem.
Vi, no sonho que se seguiu,
crianças iluminadas pelo olhar dos velhos
correndo em direção
ao mar,
trazendo de lá
todo o amor necessário para transformar
o mundo.
Há de chegar o dia
em que naus vindas do oriente, do sonho,
trarão, em doce invasão,
as crianças,
portadoras da voz tão esperada...

Ilustração: fatosquemudaramomundo

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

(Des)caminhos


Esta lágrima, teimosa,
que, persistente, insiste em rolar
por minha face,
não tem o poder de lavar minhas horas,
de lavrar minha pele,
nem de saber o destino da sorte.
Sulca terreno arenoso,
deixa só um trilho de ida,
sem achar o caminho de volta...

Ilustração: desvontade

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

É vida

Preciso apenas dos ventos e dos
tempos para saber onde estou.
Onde ando, dependo dos raios de
sol,
das rosas o perfume e
o cheiro de mar.
O amanhecer me fortalece e o luar
acalenta meu sono.
Viver é assim aventura,
improviso e, nem sempre,
pavor.


Ilustração: 1.bp

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Braile


Nem sempre consigo enxergar o óbvio.
Nem ver que este céu azul é enorme.
Olho e não vejo estas tais magnólias.
Nem vejo, sequer, o tempo passar.
E nem fico triste com isto.

Afinal,
só tenho olhos pra você!


Ilustração: blind-tatoo/counternotions.files

domingo, 16 de agosto de 2009

Momento

Para dar fim a esta rotina,
posso muito bem inventar
a felicidade.
Ela virá vestida de rosa,
impecavelmente trajada
e, espero, ficará entre nós
para sempre.

Posso muito bem, também,
inventar um doce sorriso,
que combinará sempre
com esta tal felicidade.

Só não sei inventar o momento
em que tudo pode acabar!


Ilustração: gothic_silence

sábado, 15 de agosto de 2009

Eterna noite


Por que insiste em ser noite
o dia que nem terminou?
E a lua, onde se esconde,
por que não apareceu?
Incômoda noite fria,
eterna não vai terminar.
Companheira distante, silente,
só ela se encosta em mim...


Ilustração: open4group

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Fria sombra


O que vai pela vida
quando você se senta num canto,
na sombra fria,
com este nó na garganta que sinto agora
e a certeza que nada é real?
Certamente seu coração também se partiu
e aquele pedaço de alma que
me falta,
você também perdeu!

Ilustração: ipt.olhares

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Denodo

Respostas às perguntas que ouvi ao longo da vida,
a ponta e o solado de meus sapatos têm buscado
em caminhadas longas, curtas também,
sem cansaço, sem a perplexa dúvida
que a inconstância provoca.
Caminho incessantemente, atento aos
menores sinais ou ruídos das possíveis
respostas, mesmo sussurradas, nas
pequenas pegadas e rastros, como cão
farejador treinado e cuidado para estas missões.
Não há centímetro quadrado que
não tenha sido vistoriado, não há
canto que eu não tenha varrido, com
inesgotável denodo e determinação
para tão parcos resultados práticos.
Mesmo sem ainda ter as respostas
e mesmo sem resultados palpáveis,
fica claramente esclarecido que em
tudo o que há por fazer neste mundo,
o melhor método de investigação
a se adotar é o da caminhada!


Ilustração: 4bpblogspot

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Azul


Vem,
enche meus olhos de cor.
Traz a esperança de mãos de criança,
um sorriso, um raio de luz.

Vem
lua cheia, prateada,
banhando-se nas ondas do mar.

Vem,
silêncio de vozes cansadas,
lágrimas de mães solitárias,
esperança de amanhecer...


Ilustração: fotoache01.stormap.sapo

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Sementes



Não tenho raízes neste lugar.
Muito mais que isso,
tenho sementes aqui plantadas,
a espera de tudo para brotar.
A espera da chuva,
a espera do sol,
a espera de tuas mãos...


Ilustração: olharindiscreto

sábado, 8 de agosto de 2009

Dorme minha cidade

Dorme minha cidade
mergulhada na escuridão do silêncio.
A última voz do dia,
nela,
há muito se calou.
Descansam os que correram
e os que nada fizeram.
Nenhum ruído ouvido.
O pio de uma coruja, sequer.
Ouve-se apenas a lágrima,
insistente,
que rola por minha face,
desde que você me deixou.

Dorme minha cidade.
Menos a minha dor!


Ilustração: picturepixel

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Rei Sol


Assume o sol o centro do céu,
local adequado para reis como ele.
O dia se torna então insuportavelmente
quente.
O calor escorre em gotas, ou melhor,
em cascatas
por sob a camisa,
fazendo com que sombras virem
sinônimo de desejo.
Uma leve aragem, Paraíso.
Rei inclemente este.
Derrete-nos a todos para governar.
Impiedosamente...

Ilustração: rondoniaovivo

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Teus cristais


Mal amanhece o dia
e neste início de clarear deparo com
teus olhos, teus grandes e vivos olhos,
que não cansam de me contar
sobre aquela ingênua época.
Separam eles, claramente,
tempos de verdade de dias perdidos.
Estes, como vapor de água fervente,
ganham rapidamente o espaço e
convertem-se em nada.
Já as verdades, como cristais, perduram.
Embora perdurem,
como alguns cristais,
têm brilho opaco...


Ilustração: fibraotica.com.br

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Plantar

Planta o homem, a empresa, em chão
preparado, alimento que esperam
vender e lucrar.
Planta o roceiro, em chão que lhe
coube, alimento que espera
viver pra colher.
Planta o poeta, em chão tão seco,
versos que espera
que alguém colha.


Ilustração: rosahcasanova

domingo, 2 de agosto de 2009

Passado


Queria ter certeza de não pensar passados,
de não voltar no tempo,
não revolver lembranças vãs.
Sei da inutilidade deste ato,
embora não consiga dele ter controle.
E fica a marca funda, a cicatriz na alma,
a certeza de ferir-me sempre que me pego
assim,
recordando, reescrevendo a mesma
inútil estória sem heróis...
E fica este olhar perdido, voltado para trás,
teimoso,
insistindo em nada ver!

Ilustração: charquinho.pt


sábado, 1 de agosto de 2009

Irene Lisboa


NOVA, NOVA, NOVA, NOVA
(Irene Lisboa 1892-1958)

Não era a minha alma que queria ter.
Esta alma já feita, com seu toque de sofrimento
e de resignação, sem pureza nem afoiteza.
Queria ter uma alma nova.
Decidida capaz de tudo ousar.
Nunca esta que tanto conheço, compassiva, torturada
de trazer por casa.
A alma que eu queria e devia ter...
Era uma alma asselvajada, impoluta, nova, nova,
nova, nova!

Ilustração: barbferreira