segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

NÃO DIZIAS PALAVRAS - LUÍS CERNUDA



Não dizias palavras,
aproximava tão só um corpo interrogante
porque ignorava que o desejo é uma pergunta
cuja resposta não existe,
um mundo cujo céu não existe.

A angústia abre caminho entre os ossos,
sobre as veias
até se abrir na pele,
provedores de sonho
feito carne em interrogação voltada às nuvens.

Um roço de passagem,
um olhar fugidio entre as sombras,
chegam para que o corpo se abra em dois,
ávido de receber em si
outro corpo que sonhe;
metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
iguais em forma, iguais em amor, iguais em desejo.
Ainda que seja só uma esperança
porque o desejo é pergunta cuja resposta ninguém sabe.




terça-feira, 19 de janeiro de 2016

LEI SÁLICA - INÊS DIAS



As mulheres da família sempre
tiveram um jeito quase póstumo
de existir: guardar o lume
em silêncio, comer depois de
servir os outros, morrer primeiro.

Saíam à hora de ponta do destino
para lerem os caminhos perdidos
e colecionavam a abdicação
em caixinhas de folha, entre bilhetes
caducados ou dentes de infâncias alheias.

Esperavam a vida toda por uma vida
próxima, de alma presa a alfinetes
no vestido preferido para o enterro,
os passos medidos nas sua varandas
a dar para o fim do mundo.

Retomo-lhes às vezes os gestos
neste meu exílio inventado,
mas acaba aqui: vou encher de corpo
a sombra, mesmo que nem tempo
me reste já para a pesar.







quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Muamba




Escrevo, ou tento,
o que resta.
Talvez um fim de festa...
Ou pior,
um nunca ser qualquer festa,
um gritar
para tudo se acabar.

Debulho lágrimas, semi-sorrisos,
muxoxo,
me acho pouco e fácil,
comum, insosso!
"Prêt-à-portêr" de liquidação",
usado, sem garantia,
à venda em qualquer esquina
do pior canto da
cidade, 
artigo sem necessidade,
sou eu,
figurinha carimbada,
um tanto amassada,
só,
por ter amado de verdade!


A. C. Rangel




quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Fogo eterno !




é preciso, como sempre,
amar aquele olhar
que,
por tão pouco,
emudece e perde o
brilho.

é preciso, como nunca,
atear-lhe o fogo
que o fará
eterno!


A.C.Rangel




sábado, 2 de janeiro de 2016

Buscar-se. Sempre!



Porque as palavras se
escondem e o olhar fica
turvo quando recomeçam
estes dias tão longos e
esta saudade sem fundo?

Não pode a vida passar,
secarem-se os rios de
abundantes lágrimas.
Não pode-se
morrer de amores,
sobreviver-se ao nada!