sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

ROTINA




passos seguros rumam
por caminhos alheios
nada buscando,
embora,
caísse a tarde e,
com ela,
outro dia vazio.

passos seguros seguindo
incertezas!





terça-feira, 6 de dezembro de 2016

APENAS




forte é o vento,
gelado,
que esbofeteia meu rosto
desde que o
dia escureceu.

o meu tempo passou...

e o retorno é longo,
sem pianos,
sem melodia,
apenas
o frio da madrugada,
sempre presente,

velho companheiro...







sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O QUE BUSCO








o que busco, incessantemente,
encontra-se, provavelmente,
no lado oculto da lua...
ou nas últimas reservas
florestais do continente
africano...
se não, talvez, durma num vulcão
inativo, prestes a entrar
em erupção...
o que busco pode estar
no fundo do oceano pacífico
ou, com toda a certeza,
dentro do teu coração,

que é onde mora o meu!






segunda-feira, 21 de novembro de 2016

CORAGEM!




bom pedaço do caminho,
o maior deles, com certeza,
está vencido...

alguns sobressaltos,
sustos,  sorrisos,
alguma tristeza,
alguma alegria,
você sabe, temperos da vida...

nada que se compare com este
resto de noite suja
que vem por aí...




domingo, 13 de novembro de 2016

MINHA FÉ




é pensando em você,
intensamente,
que me reconheço por completo,,,
você,
afinal,
é meu espelho, meu dia, meu livro predileto,
pura inspiração

quase sagrada!





terça-feira, 8 de novembro de 2016

REALIDADES





Passeiam por estas ruas
todos os tipos de medos.
Também de orgulhos
e de covardias solenes.

Do amanhecer à hora incerta
das bruxas e dos magos...

Tristes passarelas onde os sorrisos,
mesmo quando sinceros,
escondem tantas derrotas,
tantas humilhações...



quarta-feira, 2 de novembro de 2016

TUA, NOSSA VOZ






recupera em mim
o dom da
palavra...

fale tuas verdades
mais tenras,
rabisque um poema
ou
zombe de mim...

só não quero,
apelo,
não se cale...

enfim !




segunda-feira, 26 de setembro de 2016

SEM VOCÊ




tenho Pizarnik
em todos os momentos que
não tenho você.
e tua ausência,
embalada assim,
de verdade e arrepios,
mais do que triste,
fica cheia de
inspiração...







sábado, 10 de setembro de 2016

UTOPIAS


parcimoniosamente,
ao longo do tempo,
de todo tempo,
reconstruo gestos e
posturas que,
em mim,
fizestes desaparecer.

não cultivo mais lágrimas
nem sonho utopias
que,
agora sei,
apodreceram...





quarta-feira, 31 de agosto de 2016

ODONIR OLIVEIRA


DEIXA-ME  SER  POESIA



Não, não sou poeta de revoluções estéticas
porque não sou uma revolucionária mais.
Os anos vieram,
brinquei com eles,
brindei-os todos.
Hoje sou uma jardineira de rosas,
nos intervalos bebo versos,
mastigo pétalas,
danço com prazeres.
Não, não esperem de mim arroubos mais.
Escrevo o que escrevo por meus dedos
o que sentem minhas mãos.






Poesia obtida no jornalggn.com.br, de Luis Nassif



sábado, 27 de agosto de 2016

CONCEIÇÃO LIMA


A  CASA



Aqui projetei a minha casa:
alta, perpétua, de pedra e claridade.
O basalto negro, poros
viria da Mesquita.
Do Riboque o barro vermelho
da cor dos ibiscos
para o telhado,

Enorme era a janela e de vidro
que a sala exigia um certo ar de praça.
O quintal era plano, redondo
sem tranca nos caminhos.

Sobre os escombros da cidade morta
projetei a minha casa
recortada contra o mar.
Aqui.
Sonho ainda o pilar -
uma retidão de torre, de altar.
Ouço murmúrios de barcos
na varanda azul.
E reinvento em cada rosto fio
a fio

as linhas inacabadas do projeto.


-- 0 --


Conceição Lima é uma poeta de São Tomé e Príncipe e esta poesia foi obtida
no site Templo Cultural Delfos em cujo endereço,
www.elfikurten.com.br
outras poesias da autora podem ser encontradoas,


segunda-feira, 22 de agosto de 2016

JOSEPH S. COTTER



O  POÇO  NA  BEIRA  DA  ESTRADA



Um desejo interrompe meu passo junto ao poço da beira
da estrada.

Não é de beber, pois dizem que a água é salobra.

Não é de romance, pois um coração no fim da estrada me
chama.

Não é de descansar, pois que pés poderiam se cansar quando
um coração no fim da estrada marca o tempo com seus
passos?

Não é para meditar, porque o coração no fim da estrada é
alimento para o meu ser.

Eu vou perguntar ao poço sobre meu segredo jogando uma
pedrinha dentro dele,

Ah, está seco.

Ataco ligeiro a estrada com meus pés, pois corações são como
poços. Você não sabe que eles estão secos até que queira saber
sobre o que eles têm no fundo.

Desejos bloqueiam o caminho para o paraíso, e santos perdem
suas coroas.







quinta-feira, 18 de agosto de 2016

NAS TUAS MÃOS




Se choram as mentiras
muito mais do que tu,
repousam os dias
e vidas tão vazias,
que ali surgirão,

Se o gosto do sal
entranhado em tua boca
não sai mais,
procura o caminho
de volta pro rio.

Deixa que o sal,
pesado e forte,
impeça, afinal,
a minha morte.





domingo, 7 de agosto de 2016

A M PIRES CABRAL



FOI  PARA  ISSO   QUE  OS  POETAS  FORAM  FEITOS




Semear tempestades
e assegurar que cresçam
Foi para isso que os poetas foram feitos

Esgrimir com a mais idônea
das espadas: a coragem
 Foi para isso que os poetas foram feitos

Namorar a perfeição
e às vezes alcançá-la
 Foi para isso que os poetas foram feitos








segunda-feira, 18 de julho de 2016

Manhãs





Manhãs, seguidas de vida,
inclementes previsões
de identidade,
verso e reverso de ser.

Manhãs de ventos tão
frios,
de verdades cotidianas,
formatos de sonhos:
eternidades...

Manhãs teimosas,
seguidas de vida...





quinta-feira, 7 de julho de 2016

HENRI MICHAUX



LEVAI-ME


Levai-me numa caravela,
numa antiga e amena caravela,
na proa, ou se quiserem, na espuma
e abandonai-me, lá longe, longe.

Na união a um outro tempo,
no veludo ilusório da neve,
no bafo de alguns cães à volta,
na extenuada turba das folhas mortas.

Levai-me sem me quebrar, nos beijos,
nos feitos que se solevam e respiram,
nos tapetes das palmas das mãos, no sorriso,
nas renques das articulações e dos ossos longos.

Levai-me, ou antes, ocultai-me.









segunda-feira, 27 de junho de 2016

JOSÉ JORGE LETRIA



2  POESIAS  DE  JOSÉ  JORGE  LETRIA  



Acendem-se as luzes de repente
e toda a escrita é iluminada
para receber em festa os fantasmas da desordem.
Um poeta sabe quando há de parar.
A escrita sussurra rente ao coração
as últimas rezas da aflição da noite.
Talvez nasça um livro desse caos.


----  o ----


Já morri em tantas mortes que não sei
como tenho ainda para aparecer
a mim mesmo com fingimentos
de assombro.





José Jorge Alves Leiria nasceu na cidade de Cascais, em Portugal,
em 08/06/1951 e é jornalista, poeta, dramaturgo e ficcionista.








sábado, 18 de junho de 2016

RENATA CORREIA BOTELHO



Uma a uma, as sílabas do
teu nome, declino-as no jardim
sobre a laje, pedra de silêncio
onde pouso as dores quando a
cabeça só se encaixa na
concha das mãos.

No descampado herdado dos teus braços
jazem letras indispostas em
rouco desassossego.

Não era preciso ter andado tanto; dista apenas
um palmo da palavra à erva daninha.





quinta-feira, 16 de junho de 2016

IRENE LISBOA




NOVA,  NOVA,  NOVA,  NOVA


Não era minha alma que eu queria ter.
Esta alma já feita, com seu toque de sofrimento
e de resignação, sem pureza nem afoiteza.
Queria ter uma alma nova.
Decidida, capaz de tudo ousar.
Nunca esta que tanto conheço, compassiva, torturada de trazer por casa.
A alma que eu queria e devia ter
era uma alma asselvajada, impoluta, nova, nova, nova, nova!!!




Dedico esta poesia a duas mulheres muito especiais na minha vida: Fernanda e Joelma.





sexta-feira, 27 de maio de 2016

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN




DUAS  POESIAS  DE  SOPHIA  



INSTANTE


Deixa-me limpo
o ar dos quartos
e liso
o branco das paredes.
Deixa-me com as coisas
fundadas no silêncio.

--- ooo ---

EU  CONTAREI


Eu contarei a beleza das estátuas --
seus gestos imóveis ordenados e frios --
e falarei do resto dos navios

sem que ninguém desvende outros segredos
que nos meus braços correm como rios
e enchem de sangue a ponta dos meus dedos.







segunda-feira, 23 de maio de 2016

VOCÊ CONHECE EDITH LOMOVASKY?



QUE CANÇÃO SEM BERÇO



Edith  Lomovasky
Poeta argentina


Que canção sem berço cantarei pelas
madrugadas?
Que gritarei às janelas
antes do fogo?

Não quero repetir
gerações de deserto.
Escapo-me a Deus das pragas e dos ternos sacrifícios.

A canção.
O berço.
Regressam do espelho dos meus sonhos.

O balançar feliz
perdura nos meus quadris.

Estou viva.





quinta-feira, 19 de maio de 2016

Calemo-nos




e quando as palavras não
vêm à boca,
entaladas entre a
ira e o receio de
fazerem sangrar passados?

e quando as palavras têm
o peso exato
do que se quer dizer
e a garganta se fecha
apenas para nos poupar?

calemo-nos, pois...





quarta-feira, 11 de maio de 2016

Ode ao luar





Não tenho medo das luas
que teimam em iluminar minhas
noites.
Confio em seus desígnios
e acredito em seus destinos.
Bebo todo o brilho de seus
olhares e não temo sequer
as sombras que ela produz.

Sou servo de sua luz
e de seus brancos e frios
sorrisos..





terça-feira, 3 de maio de 2016

2 POEMAS DE SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN




Nunca mais 
caminharás nos caminhos naturais.

Nunca mais te poderás sentir
invulnerável, real e densa -
Para sempre está perdido
o que mais do que tudo procuraste.
A plenitude de cada presença.

E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência.

---------------------------------


MAR NOVO


Este é o tempo
da selva mais obscura.

Até o ar azul se tornou grades
e a luz do sol se tornou impura.

Esta é a noite
densa de chacais
pesada de amarguras.

Este é o tempo em que os homens renunciam.




quarta-feira, 27 de abril de 2016

2 POEMAS DE ARMANDO ARTUR - POETA MOÇAMBICANO



URGÊNCIA


É urgente inventar novos atalhos.

Acender novos archotes
e descobrir novos horizontes.
É urgente quebrar o silêncio,
abrir fendas no tempo
e, passo a passo, habitar outras noites
coalhadas de pirilampos.

É urgente içar novos versos,
escalar novas metáforas
recalcadas pela angústia.
É urgente partir sem medo
e sem demora.

Para onde nascem sonhos,
buscar novas artes de
esculpir a vida.



OS  FAZEDORES  DE  PROMESSAS


Como destilar verdades
nestas palavras com odor de mofo?
Até eu poderia emprestar-lhes um ar de sândalo
não fosse a febre noturna dos búzios.
Há muito que os fazedores de promessas
emigraram sem que ninguém os lembrasse
dos gestos obscenos deixados para trás.
Quantos sonhos cabem numa palavra?
Quantos sonhos cabem numa cabaça?
Diziam-me que o mundo era uma pertença de todos.
E enganaram-me quando não acreditei.
Pois as palavras já não enchem a panela de barro.
Só o inverno sabe o quão é difícil
suportar as folhas caídas nas estepes.
Mas nenhuma ausência os entristece?
Nem mesmo a dor que os alucina.




terça-feira, 19 de abril de 2016

Insistência





Quantas vezes percorrer, ainda,
aquele caminho?
Dores na alma mais que nos pés.
Impossível olhar para trás.
Olhar para a frente e nada
enxergar,,,

Quantas vezes, ainda, percorrer
aquele caminho?




quinta-feira, 14 de abril de 2016

Chove em mim




Passeiam pelo fim da tarde
todas as mágoas que
acumulo e
até as nuvens que vejo  encontram-se
em mim.
E
caminham para lugar algum.


Chove.
E nem assim minha
alma se aquieta.

O fim do caminho talvez o faça!




domingo, 10 de abril de 2016

Peso das palavras...




"As palavras podem não ter, em si,
qualquer mérito. Se
convenientemente utilizadas,
têm todos."



A. C. Rangel

quinta-feira, 7 de abril de 2016

RENATA CORREIA BOTELHO



Falhamos tudo: entregamos
os livros ao sepulcro
das estantes, ao amor

demos um colo de horas
certas, deixamos de abrir
janelas para cheirar a noite

já nada nos lembra
que o poema só se forma
no fio da navalha.




sábado, 2 de abril de 2016

O GRITO - RENATA PALLOTTINI




Se ao menos essa dor servisse
se ela batesse nas paredes
abrisse portas
falasse
se ela cantasse e despenteasse cabelos

Se ao menos essa dor me visse
se ela saltasse para a garganta como um grito
caísse da janela fizesse barulho
morresse

Se a dor fosse um pedaço de pão duro
que a gente pudesse engolir com força
depois cuspir a saliva fora
sujar a rua, os carros, o espaço, o outro
esse outro escuro que passa indiferente
e que não sofre tem o direito de não sofrer

Se a dor fosse só a carne do dedo
que se esfrega na parede de pedra
para doer doer doer visível
doer penalizante
doer com lágrimas

Se ao menos essa dor sangrasse



sexta-feira, 1 de abril de 2016

ANTONIO ORIHUELA




Mostro-lhe o último poema que fiz,
diz-me que espere.
que tem a comida ao lume.

Censuro-lhe a indelicadeza,
o incerto amor pelas letras.

Diz-me que não voltará a acontecer.

Os dias passam.
Farto de comer tudo queimado,





sábado, 26 de março de 2016

Luar eterno



mesmo que o sol não
se ponha jamais, nossas noites
serão de luar eterno,
que,
não só nós notaremos...
sim,
há em nossa vida um poder
ainda maior que o da
natureza...


A. C. Rangel





quarta-feira, 23 de março de 2016

RENATA CORREIA BOTELHO




apaga a luz quando entrares e
vem ver  se em mim
ainda se cheira o mar

rossio sagrado
onde as fadas tecem as tuas mãos

lacra com o teu corpo
esta ferida aberta, frágil trincheira
que transpões, como o primeiro canto
descortina as trevas

repara que dentro de nós
já é manhã




domingo, 20 de março de 2016

JOELMA




Tempo!
Voa, é claro. Evapora!
Conta o tempo,
conta a vida!
Tempo!
Nos aproxima. Nos compreende.
Mais e mais.
E a vida ganha sentido,
se transforma em prazeres.
Pequenos!
Enormes!
Como mostrar quem somos,
quem somos juntos.
Aniversário.
Lembra quem  eu amo,
Lembra você!



A. C. Rangel



quinta-feira, 17 de março de 2016

ILUSÃO INALIENÁVEL - BÁRBARA PAIS




Ora quero lá saber da chuva,
do vento que uiva lá fora,
do rio furioso que transborda,
dos raios, dos trovões,
de todas as intempéries!

Quero antes aquecer ilusões,
à lareira, todos os serões,
de portas e janelas bem fechadas,
para que das chuvas ácidas
que afogam esse mundo estranho
no meu mundo nunca entre nada!






domingo, 13 de março de 2016

LUÍS MANUEL GASPAR



( ... )


Nada poderá trazer um navio de volta
a este porto prometido às trevas
e ao visco.
No jardim que deixamos para trás
(e lembra hoje uma única teia de tamiça e estopa)
cresceram as luzes da visitação.

Não seguimos o rio, não iremos juntos.
Só damos de nós o que jamais
poderão ver.


( ... )



Poesia obtida em  arquivodecabeceira.blogspot.com.br,
a quem muito agradeço e recomendo.





quarta-feira, 9 de março de 2016

Destinos



Mais importante que a estrada
é quem caminha por ela, é
o destino de cada um.

Não se forjam destinos impunemente.
Não se consegue manipulá-los.

Cabe a cada um cumprir o seu,
para que cada um possa ser
coroado e receber da vida
prêmio tão almejado...

A própria vida!


A. C. Rangel




sexta-feira, 4 de março de 2016

VOLTO À MEMÓRIA DO MAR - GRAÇA PIRES



Volto à memória do mar,
ao fundo salgado do abismo,
ao sepulcro das cinzas,
ao meu chão de múltiplas névoas.
Muito longe serei ilha, ou rochedo,
ou pérola na fenda da concha.
Uma litania, um cântico,
um grito ao vento serei ainda,
amarrando os barcos.




Poesia de Graça Pires, obtida no blogue da autora: ortografiadoolhar.blogspot,com, retirado do livro UMA CLARIDADE CEGA, publicada no Brasil  pela EDITORA INTERMEIOS. Para aquisição do livro favor dirigir-se ao site redeintermeios.com

quinta-feira, 3 de março de 2016

O NOME DAS ÁRVORES - RUI MIGUEL FRAGAS



Há quem olhe as árvores como quem olha as árvores e
guarda nos bolsos dois nomes para cada árvore. As
árvores não morrem no interior da sombra.

Quem é que sabe que sabe até o fim do mundo é
pouco mais do que nada. Quem sabe que as palavras
são só uma nesga de paisagem. Quem caminha assim
por dentro dos caminhos, O nome das árvores é o
silêncio.

Há quem olhe as árvores como quem procura pássaros
dentro das árvores e o céu por cima das árvores. As
árvores não morrem no interior da sede.

Quem é que sabe que o destino é tão lento e está tão
perto. Para quem se demora o vento quando o vento se
demora. Quem é que sabe que sonhar é o princípio da
respiração. As árvores são o lume quando os caminhos
se acendem.

Há quem olha as árvores como quem olha as árvores
ou como quem olha as casas ao cair da noite. As
árvores não morrem no interior do medo.

Quem é que sabe que viver é viver prá lá da última
folha. Quem é capaz de morrer e depois de morrer não
morrer ainda. Quem habita os lugares invisíveis. As
árvores caminham no descuidado caminhar do tempo.

Há quem olhe as árvores como quem olhe as árvores
com os olhos súbitos e incendiados de amor. As
árvores não morremo no interior da chama.

Tudo nas árvores é o coração das árvores. Por quem os
pássaros esquecem as asas quando os pássaros
aquecem as asas. Quem sabe devagar amadurecer um
fruto. Quem é capaz de amar assim até as raízes.



Poesia obtida no blogue leiturasmalamanhadas.blogspot.com, a quem agradecemos sinceramente.



terça-feira, 1 de março de 2016

TÃO INÚTIL - ALICE VIEIRA



esperar que voltes é tão inútil como o
sorriso escancarado dos mortos na
necrologia dos jornais

e, no entanto, de cada vez que
a noite se rasga em barulhos no elevador e
um telefone se debruça de um sexto andar

sinto que ainda ficou uma palavra minha
esquecida na tua boca

e que vais voltar
para
a
devolver.


domingo, 28 de fevereiro de 2016

A VOZ DO MAR - RUI MIGUEL FRAGAS



A voz do mar
pertence ao mar. E o canto dos pássaros não te
pertence. Ouve os pássaros e ouve o mar e o vento
que sopra ao longe. Escuta os sinos da tua voz, lá
dentro do teu peito: há em tudo o que escutas

o mesmo rumor.

Mesmo que seja só uma promessa de sílaba uma
vogal apenas ou o rasto de uma vogal. Mesmo que
não chegue para dizer o teu nome, mesmo

que não chegue para te chamar.

O que está dentro do teu peito é mais do que tu e o
que ouves é sempre mais

do que és capaz de dizer. A demora da luz e os
rituais da distância têm voz

mas não têm nome.

Só o rosário do silêncio me chama e ainda sou
capaz de ouvir as baleias do outro lado do mundo.
Só sei responder ao vento por isso, se me chamares,

não te responderei.

Não queiras mais nada para além dessa sílaba
adiada, dessa vogal ou eco e do eco dessa vogal.

O teu nome é um nebuloso sussurro vem de longe
e vai para longe, para lá de todas as luas de
saturno. És uma invocação sem apelo

não tens nome quando te chamo.






terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Jamais serão ditas...



Os olhos não entendem.
As frases, presas à boca, não
são ditas. Quase sempre,
não rompem silêncios...
Os passos, titubeantes,
não movem corpos tão
próximos.
O tempo, tão lento,
sufoca palavras que, assim,
jamais serão ditas...


A. C. Rangel





quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

CEMITÉRIO DE PIANOS - JOSÉ LUIS PEIXOTO



"Não há nenhuma diferença entre aquilo que acontecer
mesmo e aquilo que fui distorcendo com a imaginação,
repetidamente, repetidamente, ao longo dos anos.
Não há nenhuma diferença entre as imagens baças que
lembro e as palavras cruas, cruéis, que acredito que
lembro, mas que são apenas reflexos construídos
pela culpa. O tempo, conforme um muro, uma torre,
qualquer construção, faz com que deixe de haver
diferenças entre a verdade e a mentira.
O tempo mistura a verdade com a mentira."



Trecho do romance "CEMITÉRIO DE PIANOS" do escritor português  JOSÉ LUÍS PEIXOTO, publicado no Brasil em 2008 pela RECORD, que releio pela terceira vez e que recomendo.




segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

INFINITA CONVERSA COM AS NUVENS - RUI MIGUEL FRAGAS



Antes de partir para as montanhas espalharei os
poemas pelo chão como quem abre um mapa pela
última vez. Como quem relembra o extenso areal dos
dias, a incansável rotina dos comboios, a infinita
conversa com as nuvens.

Quando partir para as montanhas deixarei os poemas
pelo chão como quem renega todos os mapas. Levarei
apenas o meu corpo para que ele me fale do teu.



RUI MIGUEL FRAGA, na verdade Rui Feteira, é poeta português, nascido em Coimbra em 1964.



domingo, 7 de fevereiro de 2016

Queria tanto!



Ah! Como eu queria
me perder neste sorriso,
caminhar no teu olhar,
respirar tua emoção...

Doce seria me encontrar
na tua alma,
adormecer nesta paixão,
tomar teu coração...

Percorrer eternamente
os caminhos de tua vida,
te ouvir contar docemente
os mistérios desta paixão...

Ah! Como eu queria...


A. C. Rangel






quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Instinto




Estranho não me ser
dado sonhar !
Talvez fruto do vendaval
que tolda minha visão,
talvez
a inutilidade do
gesto !


A. C. Rangel





segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

CALENDÁRIO DAS DIFICULDADES DIÁRIAS - EGITO GONÇALVES



por aqui andaremos a morder as palavras
dia a dia no tédio dos cafés
por aqui andaremos até quando
a fabricar tempestades particulares
a escrever poemas com as unhas à mostra
e uma faca de gelo nas espáduas
por aqui continuamos ácidos cortantes
a rugir quotidianamente até o limite da respiração
enquanto os corações se vão enchendo de areia
lentamente
lentamente



EGITO  GONÇALVES
Poeta português
Nascido em Matosinhos em 1922
Falecido na cidade do Porto em 2001



segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

NÃO DIZIAS PALAVRAS - LUÍS CERNUDA



Não dizias palavras,
aproximava tão só um corpo interrogante
porque ignorava que o desejo é uma pergunta
cuja resposta não existe,
um mundo cujo céu não existe.

A angústia abre caminho entre os ossos,
sobre as veias
até se abrir na pele,
provedores de sonho
feito carne em interrogação voltada às nuvens.

Um roço de passagem,
um olhar fugidio entre as sombras,
chegam para que o corpo se abra em dois,
ávido de receber em si
outro corpo que sonhe;
metade e metade, sonho e sonho, carne e carne,
iguais em forma, iguais em amor, iguais em desejo.
Ainda que seja só uma esperança
porque o desejo é pergunta cuja resposta ninguém sabe.




terça-feira, 19 de janeiro de 2016

LEI SÁLICA - INÊS DIAS



As mulheres da família sempre
tiveram um jeito quase póstumo
de existir: guardar o lume
em silêncio, comer depois de
servir os outros, morrer primeiro.

Saíam à hora de ponta do destino
para lerem os caminhos perdidos
e colecionavam a abdicação
em caixinhas de folha, entre bilhetes
caducados ou dentes de infâncias alheias.

Esperavam a vida toda por uma vida
próxima, de alma presa a alfinetes
no vestido preferido para o enterro,
os passos medidos nas sua varandas
a dar para o fim do mundo.

Retomo-lhes às vezes os gestos
neste meu exílio inventado,
mas acaba aqui: vou encher de corpo
a sombra, mesmo que nem tempo
me reste já para a pesar.







quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Muamba




Escrevo, ou tento,
o que resta.
Talvez um fim de festa...
Ou pior,
um nunca ser qualquer festa,
um gritar
para tudo se acabar.

Debulho lágrimas, semi-sorrisos,
muxoxo,
me acho pouco e fácil,
comum, insosso!
"Prêt-à-portêr" de liquidação",
usado, sem garantia,
à venda em qualquer esquina
do pior canto da
cidade, 
artigo sem necessidade,
sou eu,
figurinha carimbada,
um tanto amassada,
só,
por ter amado de verdade!


A. C. Rangel




quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Fogo eterno !




é preciso, como sempre,
amar aquele olhar
que,
por tão pouco,
emudece e perde o
brilho.

é preciso, como nunca,
atear-lhe o fogo
que o fará
eterno!


A.C.Rangel




sábado, 2 de janeiro de 2016

Buscar-se. Sempre!



Porque as palavras se
escondem e o olhar fica
turvo quando recomeçam
estes dias tão longos e
esta saudade sem fundo?

Não pode a vida passar,
secarem-se os rios de
abundantes lágrimas.
Não pode-se
morrer de amores,
sobreviver-se ao nada!