sexta-feira, 29 de setembro de 2017

OCEANO...


Resta-me este pequeno pedaço de papel onde posso, ainda, lembrar de você.
Você, que a vida me tomou, que os dias passados engoliram e que eu,
navegante sem rumo, jamais esqueci...

São as regras do mar, deste oceano enorme, que se vinga de mim por ser,
meu amor, muito maior do que ele...





quinta-feira, 28 de setembro de 2017

CARLOS DRUMOND DE ANDRADE



OS  OMBROS  SUPORTAM O MUNDO



Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abriras.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.

Alguns achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.







sexta-feira, 22 de setembro de 2017

CARLOS NOGUEIRA PINTO



Morrer é como entrar definitivamente na felicidade
dos frutos
com um flutuar de pano branco
a obliterar a memória.

É póstumo o silêncio enorme
que vier.






quinta-feira, 21 de setembro de 2017

IDOS



São tardes vazias.
Ou dias...
Canções sem rima,
trovoadas,
sonhos vazios,
cenho cerrado...
Não é amor.

É passado!





sábado, 16 de setembro de 2017

ROTINA




Gastei meus dias.
Derradeiros.
O fim me parece ao alcance
destas mãos.
Tão fracas, tão vazias.

Gastei meus dias.
Desperdicei-os...

Como quem joga milho
aos pombos...
Apenas!



terça-feira, 12 de setembro de 2017

"IRMA -TODO MUNDO DEVERIA PASSAR POR UM FURACÃO"



AUTORA  DESCONHECIDA


Todo mundo. Sem exceção. A gente tem manicure marcada,
o frango descongelado, mas nenhum cotidiano sobrevive a um 
furacão.
E a gente só sabe disso quando vive um.

Todo mundo deveria passar por um furacão, para ter que
escolher entre ir ou ficar. Correr ou esperar. Empacotar
ou respirar.
Com exceção das evacuações mandatórias, penso que
não tem escolha certa e escolha errada.
Mas penso que todos deveriam parar para pensar:
"Vou ou fico?"
"Tenho para onde correr?"

Todo mundo deveria passar por um furacão e falar para
as pessoas com quem vive:
"Eu quero ir", "Eu não quero"; "Aqui é seguro";
"Mas eu não me sinto segura".
"Então eu vou sozinho"
"Eu não fico sem você."

Todo mundo deveria passar por um furacão
para falar o que sente,

Todo mundo deveria passar por um furacão,
pegar a estrada e perceber que esqueceu
aquele documento importante para,
em seguida, se dar conta que aquele documento não tem
a menor importância.E o que importa está aqui,
no banco de trás, reclamando do calor,
no banco ao lado,
exagerando no ar condicionado.

Todo mundo deveria passar por um furacão
e praticar empatia.

Todo mundo deveria ter uma rede de apoio, ainda que
virtual, para dizer:
"Não aguento mais. Estou dirigindo há 14 horas."
E ouvir de um desconhecido uma mensagem simples:
"Calma, tem um posto aberto na 75, pega à esquerda."
"Falta pouco." "Força." "Você consegue."

Todo mundo deveria passar por um furacão
e chegar num hotel mequetrefe de beira de estrada e,
mesmo com cama faltando e sem ar condicionado,
erguer os pensamentos aos céus:
"Obrigado por esse abrigo, meu Deus."

Todo mundo deveria passar por um furacão
e comer um pote de M&M como se o mundo fosse acabar -
porque, afinal, vai que...

Todo mundo deveria passar por um furacão
para entender, em detalhes, o mapa de onde se vive
a aprender, em minutos, mais do que em todas as
aulas de Geografia da vida.

Todo mundo deveria passar por um furacão
e enlouquecer ao tentar encontrar um hotel que 
aceite um bicho, para também dar uma prova de
amor ao seu cachorro.

Todo mundo deveria passar por um furacão
para saber-se vulnerável, mas, sobretudo, para saber-se forte.
Para respirar fundo, fazer uma cama no corredor,
um cafofo no closet e
dormir abraçado com quem se tem.

Todo mundo deveria passar por um furacão
para, por fim, amanhecer em gratidão com o primeiro
raio de sol, com um pato que invade o seu quintal
ou com o canto daquele passarinho que,
por algum dos muitos milagres da natureza,
também sobreviveu.




segunda-feira, 11 de setembro de 2017

JORGE LUIS BORGES


EU TENHO DE SER



Crucificam-me e eu tenho de ser a cruz e os pregos.
Estendem-me a taça e eu tenho de ser a cicuta.
Enganam-me e eu tenho de ser a mentira.
Incendeiam-me e eu tenho de ser o inferno.
Tenho de louvar e agradecer cada instante do tempo.
O meu alimento é todas as coisas,
o peso exato do universo, a humilhação, o júbilo.
Tenho de justificar o que me fere.
Não importa a minha felicidade.
Sou poeta...






sábado, 9 de setembro de 2017

NAUFRÁGIO



Enganar a mim mesmo.
Descobrir as mãos
vazias,
como sempre, de 
repente.

Naufragar novamente
como nau sem governo,
sem bandeira,
sem lugar.

Naufragar simplesmente,
como sempre!!!