segunda-feira, 30 de março de 2009

Luta

Luta

Todos os dias este sol tão forte no rosto,
este mesmo alimento, este gosto,
de vida igual, rotina, tudo normal.
Todos os dias esta rua ruidosa, este caminhar
de sempre, esta sina determinada,
este jogo de cartas marcadas.

Esta realidade sinuosa, esta maldade no ar,
esta luta renhida, esta falta de vitórias,
decadência iminente, sem sonho de gente.

E ainda acreditamos que (será?) tudo
pode mudar. Passam os anos, tiranos,
as forças começam a faltar, o otimismo
a se esgarçar, a fé já se foi, resta o
sorriso conformado, o rosto marcado
e a vida, que como um viciado, se vai.


Maria do Rosário Pedreira


A casa e o cheiro dos livros
(Maria do Rosário Pedreira)

São horas de voltar. Tu já não vens, e a espera
gastou a luz de mais um dia. Agora, quem passar
trará um corpo incerto dentro do nevoeiro,
mas terá outro nome e outro perfume. Eu volto


à casa onde contigo se demorou o verão e arrumo
os livros, escondo as cartas, viro os retratos
para a mesa. Sei que o tempo se magoou de nós.
Sei que não voltas, e ouço dizer que as aves
partem sempre assim, subitamente. Outras virão

em março, apago as luzes do quarto, nunca as mesmas.


quinta-feira, 26 de março de 2009

Festa


Festa

Festa na cidade!
Você e eu felizes e os casais
e os boêmios e as crianças.
Todos maravilhosos e matematicamente
ingênuos.
Puros.

E através deles respira a cidade.
Sonha seus sonhos.
Dorme seus sonos.

E a cidade sorri através de seus
lábios.
Expontâneos sorrisos naturais,
gestos de quem não tem
pecados.

Feliz cidade.
Ainda tem casais, boêmios, crianças...

E nós!


Fernanda Young


Votos de submissão
(Fernanda Young)

Caso você queira posso passar seu terno,
aquele que você não usa por estar amarrotado.
Costuro as suas meias para o longo inverno...
Use capa de chuva, não quero ter você molhado.
Se de noite fizer aquele tão esperado frio
poderei cobrir-lhe com meu corpo inteiro.
E verás como a minha pele de algodão macio,
agora quente, será fresca quando for janeiro.
Nos meses de outono eu varro a sua varanda,
para deitarmos debaixo de todos os planetas.
O meu cheiro te acolherá com toques de lavanda
- Em mim há outras mulheres e algumas ninfetas -
Depois plantarei para ti margaridas da primavera
e aí no meu corpo somente você e leves vestidos,
para serem tirados pelo seu total desejo de quimera.
- Os meus desejos, irei ver nos seus olhos refletidos.
- Mas quando for a hora de me calar e ir embora
sei que, sofrendo, deixarei você longe de mim.
Não me envergonharia de pedir ao seu amor esmola,
mas não quero que o meu verão resseque o seu jardim.

(Nem vou deixar - mesmo querendo - nenhuma fotografia.
Só o frio, os planetas, as ninfetas e toda a minha poesia.)


(Do livro Dores do Amor Romântico - da Ediouro)


Ilustração: Figura, de Flávio de Carvalho - Nanquim sobre papel



terça-feira, 24 de março de 2009

Silêncio

Silêncio

Sou um só, inveterado,
solitário contumaz,
mesmo nesta multidão,
ilha de sentimentos,
calado, cansado,
feliz.
Doem-me as palavras,
esparsas ou contínuas,
ditas fora de hora,
sempre,
como chicotadas
recebidas,
provocando vergões na alma,
recuperadas apenas com
o silêncio.

Terno, acariciante e
terapêutico
silêncio.


domingo, 22 de março de 2009

Como no cinema

Como no cinema

Ao menos ter o direito de criar imagens,
simular gestos, disfarçar a realidade,
não pode me ser negado...

Viver aqueles doces momentos,
cinematográficos, exaustivamente
ensaiados e interpretados,
desta vez com paixão...

Explosão de realidade,
sem medo de ver, a seguir,
o estúdio vazio, a faina encerrada
e meu peito partido...

Doce ilusão.
Repetida e doce ilusão!

sexta-feira, 20 de março de 2009

Porta retrato

Porta retrato

Desafiando o tempo,
tua foto ainda está lá,
naquele velho porta retrato.
Repousa nele aquele olhar,
que tanto me encantou,
arma que usastes
para me conquistar.

Também aquele discreto
e envolvente sorriso teu
lá permanece,
ao contrário de você,
que há muito se foi.

Nossos desencontros,
trataram,
como um forte vendaval,
de nos separar, deixando
entre nós, uma distância
intransponível.

Olhares encantadores,
nunca mais.
Sorrisos envolventes,
nem pensar.
Você?
Somente no porta retrato,
perdida entre tantas fotos
de familiares distantes.


Ilustração: Matisse

terça-feira, 17 de março de 2009

Amor

Amor

E esta dúvida toda, em minha segura certeza?
E este vendaval, soprando forte na minha calmaria?

A terra ruindo aos meus pés,
terreno tão firme e seguro.
Foi.
Avalanche devastadora,
arrastando minha sólida casa.

É o amor! Dizem.
E mais, dizem:
imprevisível, irracional, indomável,
poderoso e
...cega!

Sim, cega, entorpece, domina,
arrasta...

E mais, dizem:
machuca, maltrata, desnorteia, alquebra.
E toma toda tua alma.
Corpo e alma...

Bem vindo seja!

sábado, 14 de março de 2009

Exagerado


Exagerado

Quero o exagero.
Não quero menos que
o extremo.
Sou radical,
só quero tudo,
o tempo todo.
Por completo.
Total.

Não quero migalhas,
não quero a sombra,
exijo o sol.
Não aceito o luar.
Toda a lua, apenas.
Você me fez assim,
guloso, faminto.

Não quero teu amor,
apenas.
Nem pensar.
Quero paixão...
Toda a imensa paixão!

quinta-feira, 12 de março de 2009

Falando do silêncio

Falando do silêncio

E depois de tanto falar,
de tantas queixas,
palavras já adormecidas,
desgastadas pelo tempo,
consumidas pelo uso,
resta o silêncio.

Devastador e implacável.

Resta o silêncio que,
inoportuno,
fala muito mais alto
que aquelas inócuas
palavras.

Resta o silêncio que
ecoa nos teus olhos,
como se você fosse apenas
uma encosta, uma rocha...


Albano Martins

Poema para habitar
(Albano Martins - Poeta português)

A casa desabitada que nós somos
pede que a venham habitar,
que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passar o vento pelos corredores.

Que lhe limpem os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
- até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.

Até que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis
até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte.


Foto: www.ligiafascioni.com.br

terça-feira, 10 de março de 2009

Sonho dos puros

Sonho dos puros

Sonhei o sonho dos puros,
dos que mal conseguem
dormir.
Sonhei um sonho tão claro,
sem sombras, nenhuma cor.

Sonho de um novo prazer,
intenso,
pedaço de vida, de flor,
que nunca foram meus.

Sonhei o sonho dos puros,
e a noite nunca acabou...

segunda-feira, 9 de março de 2009

Chorar

Chorar

Brinca sem responsabilidade
a criança feliz...
Chora quem não tem mais
infância,
nem felicidade...

A criança que brinca
pode já ter crescido.
Quem chora nunca vai
estar só.
Estará, ao menos,
comigo.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Aquele homem


Aquele homem

Vi o rosto imponente do homem que chegava
e o sorriso franco que exibia, como se o próprio
sol fosse. Seus raios distribuia.
Vi seu gesto de saudação e a enorme bondade
que seus olhos claros derramavam.

Vi o homem e sua aura de bondade
e o bem que sua simples presença trazia.
Vi alegria nas pessoas que o tocavam.

Ouvi a música que tomou conta do ambiente,
ouvi a alegria que sua presença trouxe.

Vi aquele homem humilde, tão sincero,
tão bem vindo para todos e ele, tão bondoso,
nem me viu...

segunda-feira, 2 de março de 2009

Da cor dos teus olhos!


Da cor dos teus olhos!

Um vento forte e morno
bate no meu rosto crispado
e, mesmo assim, ameniza o sol forte
pendurado neste céu azul.
Caminho!

A boca, seca, é quem mais sente
o castigo deste caminhar.
Meus olhos, turvos, mal conseguem
delinear o caminho,
moldado nestas pedras que piso
relutante.
Caminho!

Sigo com a vocação dos loucos,
insano e determinado,
nem que esta caminhada vire o século,
novamente.
Caminho!

Vou em busca de sombra, da vida, do ar
e da cor dos teus olhos...