As mulheres da família sempre
tiveram um jeito quase póstumo
de existir: guardar o lume
em silêncio, comer depois de
servir os outros, morrer primeiro.
Saíam à hora de ponta do destino
para lerem os caminhos perdidos
e colecionavam a abdicação
em caixinhas de folha, entre bilhetes
caducados ou dentes de infâncias alheias.
Esperavam a vida toda por uma vida
próxima, de alma presa a alfinetes
no vestido preferido para o enterro,
os passos medidos nas sua varandas
a dar para o fim do mundo.
Retomo-lhes às vezes os gestos
neste meu exílio inventado,
mas acaba aqui: vou encher de corpo
a sombra, mesmo que nem tempo
me reste já para a pesar.
3 comentários:
Acho que muitas mulheres viviam uma submissão exagerada ou porque foram criadas nesses moldes. Tudo vale a pena!...
AbraçO
Um lindíssimo e seríssimo poema, escrito por uma mulher, que sabe qual a atitude, o comportamento e o sofrimento deste ser humano, que ela aqui tão bem descreveu. Talvez a mulher seja a última da casa a morrer, mas só depois de cumpridas todas as tarefas da casa e não só. Ainda há, infelizmente, casos assim, poucos, mas o mundo está avançando, embora existam mulheres que fazem do homem "gato sapato". Não "respira", não "tuge", nem "muge".
A Lei Sálica redigida em latim data do século V d.C. portanto início da idade medieval e em nada favoreceu a mulher, mas nós já estamos no século XXI.
Tudo de bom e muita luz.
Beijos.
Olá, Alfredo
Ainda no Século XXI se notam resquícios da Lei Sálica. No Ocidente, de forma encapotada. Noutras paragens, existem casos verdadeiramente chocantes. E é bom haver quem escreva sobre isso e de forma tão talentosa como o que se lê aqui.
Grande abraço.
Olinda
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