PRISCILA BRANCO

gosto de ler poemas como
quem lambe ferida.
encostar a língua
na dor do outro.
o gosto acre,
doce só no final.
o último verso
sempre de açúcar.

INGEBORG   BACHMANN

A  MINHA  SOMBRA

Sob um céu estranho

sombras rosas

sombras

numa terra estranha

entre rosas e sombras

numa água estranha

a minha sombra.

MEUS OLHOS...

Nem tudo está perdido,

insiste o perdedor.

O sol está sempre no céu,

não importa o quanto

chova,

não importa que seja noite,

já!

O mundo são meus olhos, que,

acostumados a mentir

sempre me consolam.

ETERNA

sons e luzes conspiram

contra o meu silêncio.

pálidas são estas horas.

e o pensamento passeia

por esta praia,

mesmo que a escuridão

perdure...

mesmo que ela seja

eterna!

CHOVE

JOSÉ  GOMES  FERREIRA

Chove...

Mas isso que importa!,

se estou aqui abrigado nesta porta

a ouvir a chuva que cai do céu

uma melodia de silêncio

que ninguém mais ouve

senão eu?

Chove...

Mas é do destino

de quem ama

ouvir um violino

até na lama.

MENTIRA

Minto,

é inegável. E é a alma da mentira

que me seduz.

Conto o inenarrável.

Acrescento um ponto a cada conto.

Cara deslavada!

Olhar fixo, nunca vacilo.

Vício perfeito...

Minto.

E nada do que escrevo ou digo

é verdade!

HÁ UM TEMPO - FERNANDO TEIXEIRA DE ANDRADE

Há um tempo em que é preciso

abandonar as roupas usadas,

que já tem a forma do nosso corpo,

e esquecer os nossos caminhos,

que nos levam sempre aos mesmos lugares.

É o tempo da travessia: e,

se não ousarmos fazê-la,

teremos ficado, para sempre,

à margem de nós mesmos.

ESTRADA

dia comum,
como qualquer outro nesta
escalada de vozes.
pé na estrada,
larga,
longa,
que oferece sombras estreitas, 
desfeitas
e poeira constante...
nada a construir, a
sonhar, sequer.
seguir este caminho:
afinal,
o dia chegará...

ASSIM

Nunca teremos a estatura
que nos agrade. Nem
tão perto do chão sobreviveremos.

Caminhar pela vida, pelos
anos passados, pelos sonhos
ainda não esquecidos.

Mesmo no clamor desta
batalha.

Mesmo com este vendaval
que nos turva o olhar.

Mesmo que!...

SE !

Se este sol não me

batesse assim na

cara.

Se este vento não me trouxesse

recordações.

Se o tempo fosse mais que

suficiente,

parece,

teríamos uma chance...

Se!