Canta o homem

Canta o homem que há pouco chorava.

Bastou lembrar-se da brevidade

dos tempos,

da precariedade do que é viver,

dos olhos da amada.

Canta o homem de coração tão duro.
Bastou perceber que sua força
não está na firmeza das decisões,
mas na vida,
na precária vida e
nos olhos da amada.

Ilustração: slowdown

Ainda quero

Não me prives

do ensurdecedor silêncio

que na minha vida, há muito,

se fez.

Não me prives

desta noite tão fria

que me envolve e

que me engole.

Docemente.

Traz tua luz, tua voz,

guardadas,

escondidas.

Não me prives de querer

meus

silenciosos temporais.

Ilustração: pgentil

O velho

O homem pouco falava.
Peso do tempo vivido,
talvez.
Olhos fixos no chão,
cabeça baixa.
Peso do tempo vivido,
por certo.

Não precisava falar.
Sequer olhar.

Seu negacear de cabeça,
lento e resoluto desacordo
explícito,
dizia mais que palavras,
que olhares.
Dizia tudo.

Nada valera

o tempo vivido.

Ilustração: treklens

Amarela rosa

Meu destino é breve
como esta gota de orvalho,
tênue,
como este começo de manhã,
efêmero.

Meu destino, sabido,
frágil,
inocente,
aproxima-se.

E, com ele,
vai-se esta rosa
amarela.

Definitivamente,
meu destino...

Ilustração: imotion

Quisera

Quisera ter o poder das letras,

que numa poesia arrebatadora,

pudesse, somente como nos sonhos,

encerrar este estado de coisas,

estado de espírito,

apagão da alma,

arrepiando peles,

embargando emoções,

cativando...

Tudo o que queria...

Ilustração: janio.sarmento

Lago

Era um lago,

imenso,

de águas claras,

às vezes, poucas vezes,

turvas,

de águas frescas,

às vezes,

mornas,

agradável, envolvente,

onde sempre me banhei.

Lago onde a lua fez morada.

Era um lago,
imenso.
Eram, sempre foram,
teus olhos!

Ilustração: i.olhares

Eterna

Mesmo que dure,

a noite,

o resto da vida,

ainda assim,

terá valido a pena

não ter

adormecido...

Ilustração: marcioruno

Noites minhas

Distante estou

daquele poente,

daquele anunciar de noite.

Calma.

Distante, cada vez mais.

As noites turbulentas,

sem sinal de luar,

estas sim,

cada vez mais íntimas,

cada vez mais minhas.

Ilustração: garatujando.pt

Calar

Às vezes me calo.

E daí este calar,

como se o punhal

se acomodasse

por entre minhas

carnes.

Às vezes me calo.
E sangro,
como se a dor,
por si só,
não fosse suficiente,
não tivesse sentido.

Às vezes me calo.
E o silêncio me veste,
como mortalha pesada.
E eterna.

Ilustração: lanc.com

Oeste

Olhar para o oeste
e ver, resumida,
a imagem de meus dias,
nem sempre,
quase nunca,
coloridos.

Olhar para o oeste
e ver, em detalhes,
o que, nem sempre,
merece
ser visto...


Ilustração: atuleirus