domingo, 22 de abril de 2012

Uma espécie de perda (Ingeborg Bachmann)


Usamos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos, fizemos.
E estendemos sempre a mão.


Apaixonei-me por invernos, por um septeto vienense e por
verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada.


(-o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)
Sem temores religiosos, pois a igreja era essa cama.


De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.


Não te perdi a ti,
perdi o mundo.








ilustração retirada do blog echidellanima.blogspot

6 comentários:

marlene edir severino disse...

E perdemos mesmo
a todo instante um pouco,
como disse Elizabeth Bishop
em "Uma Arte" (que adoro!)

Até esse instante,
esse agora,
já deixou de ser...
(... e antes que termine, fique)
com meu abraço, Rangel!

Gisa disse...

Perder o mundo, perder o tempo, perder as oportunidades. Se os perdemos nos perderemos para sempre.
Um grande bj

noone disse...

tão bonito! continuação...

sou nova por aqui, espero continuar a passar por cá! beijinho

Anne M. Moor disse...

Poema lindo Rangel! Obrigada por trazer pra nós...

beijos
Anne

Valéria disse...

É poeta, perdemos tudo qdo depositamos ou vivemos apenas pelo sorriso de "um" alguém.
Difícil viver apenas o nosso sorriso.
Mto bonito, lindo!
Com carinho
Valéria

Anônimo disse...

Amado...

Uma escolha belíssima...

Apenas quero acrescentar que

"Certas perdas trazem consigo ganhos inesperados. E certos finais são apenas o começo!"

Beijos de Bruxa... rs