por trás daquele relógio imenso - aquele ali da praça, sabe? – tantas indefinições, dúvidas e medos, quê, esquecê-las ali, em lugar tão remoto, parece mesmo ser a melhor solução. Só não conseguimos esconder tudo isto do Tempo, que o mesmo relógio conduz...
Será que aquele sorriso franco, cativante, espontâneo que tanto me encanta e que parece trazer a luz do sol para um pouco mais perto de mim só cabe naquele velho porta-retrato?
"Uma bicicleta emergia lentamente da bruma. Uma menina usando um vestido branco descia a encosta pedalando na minha direção. Na contraluz do amanhecer, eu podia adivinhar a silhueta do seu corpo através do algodão. Uma longa cabeleira cor de feno ondeava escondendo o rosto. Fiquei ali, imóvel, contemplando-a enquanto se aproximava, como um imbecil com ataque de paralisia. A bicicleta parou a uns 2 metros de mim. Meus olhos, ou talvez a minha imaginação, adivinharam o contorno de pernas esguias tentando alcançar o chão. Meu olhar subiu por aquele vestido que parecia saído de um quadro de Sorolla e foi parar num par de olhos de um cinza tão profundo que alguém poderia cair lá dentro. Estavam cravados em mim com olhar sarcástico. Sorri e ofereci minha melhor cara de idiota".
resta esta voz rouca repetindo palavras gastas ditas, já, centenas de vezes. resta este olhar desgastado, envelhecido, opaco, que insiste em não ver... resta este homem cansado, este sinuoso caminho e um destino distante demais.
Tantas estrelas gritando luzes, clareando esta noite tão quente, vigiando gentes. Parecem, distantes, silenciosas, saber segredos, de cada um de nós...
Mia Couto Escritor moçambicano. Do livro "A chuva pasmada"
Ante o frio, faz com o coração o contrário do que fazes com o corpo: despe-o. Quanto mais nu, mais ele encontrará o único agasalho possível - um outro coração.
As janelas, de correrem para as laterais, foram completamente abertas e o ar da tarde invadiu o ambiente da casa e, embora um tanto quente, trouxe nova vida ao quarto, onde estava recluso.
Era como se os dias atuais, sem serem perfeitos, afastavam os velhos tempos, trazendo a renovação e todas as novas esperanças...
Todas estas tardes vazias. O café forte e quente, sorvido sem pressa, sem culpa. A caminhada pela mesma avenida. Vitrines, gente e carros a serem vistos. Jornais e revistas, pendurados, expondo escândalos e violência. O sol implacável, olhares cansados, a sombra a ser desfrutada. O intenso barulho.
E a noite que chega. Tomara seja ela tão vazia quanto aquelas tardes...
Claras imagens, sonhos de conquistas. Montanhas, serras solitárias, íngremes, distantes. Vales profundos, enormes desfiladeiros, o céu ao alcance das mãos...
os homens se encheram de orgulhos, quase unicamente arrogantes e entenderam-se donos das vidas. e os deuses da virtude lhes mostraram as areias de seus caminhos e os espinhos de suas almas. calaram-se, então... ... profundamente arrependidos!
Nada o fazia mover-se. Nem chuva inundante, nem sol sufocante, nem congelante noite... Cumpria o que havia jurado: sería um morto em vida, um ser transparente, um nada, mesmo... Cansara de nunca ter sido notado e, ao contrário de tantos outros, decidira-se: nem chuva, nem sol, nem gelo...
e deste mundo torpe carrego sorrisos falsos, finas ironias e apuradas grosserias. tenho aprendido truques e diferentes disfarces que me tornam habitante hábil desta selva salva... ... que me deu você!
Sabia das escolhas que tinha de fazer, dos mares a navegar, dos caminhos e rotas a escolher, singrar. Os barcos e ventos, calmarias e tempestades não saberia prever.
O destino, este ele queria alcançar, queria tomar, dominar. Valia, tinha certeza, as lutas e dores e lágrimas e sangue que tivesse de provar e verter. Era um homem de fé, um bravo...
Ali, abandonado ao sol, inerte, testemunhando a movimentação das pessoas, cegamente apressadas, cada qual em sua faina. E os carros, atrevidos, ruidosos, brilhantes, coloridos, a disputarem, violentos, cada centímetro. E os relógios, velozes, querendo chegar com tanta pressa a lugar nenhum.
Ali, abandonado ao sol, inerte, ele sente, sabe, que tudo segue dentro da normalidade...
Esconde do tempo as marcas que ganhaste pelo caminho. Dissimula todas as lágrimas que te fizeram companhia. E sorri para o mundo, o sorriso que tua alma
Vem de longe este olhar agudo, este brilho ponteagudo no olhar. E estas palavras inquietas, um questionar amargo, incisivo, fantasmas que queimam e dão o que pensar...
O tempo também fornece facas e punhais, constrói dúvidas e questões, de forma mais urgente, mais premente do que respostas ideais...
Uma voz clama no deserto, com o mesmo timbre do meu grito. E as areias ardentes, não conhecem gritos ou sorrisos. Conhecem o escaldar do sol, dia-após-dia...
Nada interfere na sequência dos dias, na alternância das noites geladas. Uma voz, sempre a mesma, clama no deserto.
Grita tua dor em cenários de teatro mambembe e finge, interpreta, teu grande papel, teu grande espetáculo. Assim se faz a vida. Como grandes atores em premiadas e grandiosas produções, nos salões paroquiais de bairro...
Enquanto conduz seu barco pelos mares que a camponesa conhece, vai o barqueiro seguro de que não há águas como estas... E fica a camponesa a sorrir: não há, ela sabe, barqueiro mais diligente...
De resto e tão simples, caules, hortas, gardênias, mares, prazeres que a vida descobre...
O sol já busca no horizonte, lugar onde se esconder. Como faz todo final de tarde. E é porisso que insisto em permanecer à janela, vigiando o céu, certificando-me que ele perderá, em breve, toda a claridade que carrega desde esta manhã. As sombras não tardam. E é nelas que se concentram todas as minhas esperanças de que, como a lua, você virá.
Como a lua cheia, você virá...
Se alegrarão, assim, os gatos, os bêbados, os vagabundos e os poetas... Todos os que amam o luar...
A espera se faz Senhora do tempo, soberana, impiedosa... E exerce seu domínio, caprichosa, sistemática. Conduz plebeus, todos, numa lenta agonia... Não mais se respira. Não se vê nada, nem fim, apenas os olhos da Senhora...
Risco e rabisco e arrisco e esqueço e recomeço, me enterneço e não mais quero e sou sincero eu não mereço... Então risco e rabisco e escrevo e não digo. Afinal, acho que nem vivo...
romântico, como aqueles cavaleiros dos filmes antigos, em preto e branco, cavalgaria toda a noite, todas as noites da vida (duas ou três vidas, até!), para buscar repouso.
Ando cansado, deprimido, até...
Cavalgaria desde os tempos daqueles filmes até hoje, só pra descansar, vencer o tempo Só pra me deitar, descansar, na rede dos teus olhos...
Ainda teimo em pensar, mesmo que me sobrem apenas amarguras, se é da vida parte importante. Ainda quero fugir, falhando em tantas tentativas, talvez com medo de teus olhos perder...